A História por Trás de Duas Fotos (1)

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No vídeo ‘Reston: Expedição à Antártica 2011‘, fiz questão (absoluta) de incluir duas fotos. Não eram as melhores fotos, mas, do ponto de vista sentimental, são as que mais me emocionam.

Na primeira, eu apareço na parte da frente do navio, com uma máscara protetora de pescoço e rosto. Saíamos do Canal de Beagle e nos preparávamos para enfrentar as tormentas do Estreito de Drake.

Essa foto foi tirada por Beatrix Gaeta (da Grécia). Uma senhora de 80 anos que estava participando da expedição. Como o navio começava a, literalmente, sacudir de um lado para o outro, eu estava me segurando com uma das mãos e com a outra, instintivamente, agarrei firme a parka de Beatrix para que ela não caísse.

Tivemos uma rápida, mas inesquecível, conversa. Ali, recebi uma das lições de vida e vontade de viver mais lindas que uma pessoa poderia ensinar. Com 80 anos, Beatrix poderia estar descansando em casa, tomando um chá na frente de uma lareira e esperando seus dias passarem.

Mas não, ali estava ela, enfrentando perigos, levando os limites da sua mente aos extremos e seu corpo à exaustão. E eu, vendo os seus olhos brilharem a cada aventura que ela me contava! Ao nos despedirmos, ela me disse: ‘Reston, essa sem dúvida, é a maior aventura da minha vida! Mas, com certeza, não será a última’.

Fotógrafos, por definição, não gostam de ser fotografados. Mas, sinto-me um privilegiado. E foi uma honra ter tido o registro exato, e para sempre, de como Beatrix Gaeta me viu, naquele momento tão especial, enquanto meus olhos se enchiam de lágrimas.

Written by Marcelo Reston

A História por Trás de Duas Fotos (2)

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No gelo, apesar de todas as dificuldades que Beatrix Gaeta tinha de se locomover, ela não desistiu de nenhum percurso, cumpriu as 10 fases do trajeto, rigorosamente.

Indiferente ao esforço e toda a dor, em vários momentos a vi sentada na neve, em silêncio, contemplando as paisagens de tirar o fôlego, da Antártica.

Consegui registrar, em foto, um desses momentos únicos em uma vida! Essa senhora, simplesmente, redefiniu o meu conceito de ‘envelhecer’.

Pensei que era só mais uma aventura, mas eu estava… na verdade… vivendo.

Written by Marcelo Reston

Meu celular… Foi assim que tudo começou!

Essa semana, li que 80% dos proprietários de celulares não sabem, nem a marca e nem o modelo de seus próprios celulares!

Que absurdo, – pensei, – essa pesquisa deve estar errada: 80% é um número muito alto!

Foi quando descobri (pasmem!), que não sabia nem a marca, nem o modelo e, muito menos, a cor do meu celular!

Mas, pelo menos eu tenho um álibi. Todos que me conhecem sabem como eu amo celulares!! Tô sendo irônico, tá!? Na verdade, sou uma daquelas pessoas que acha que celulares são um mal necessário! E que você deve tê-los porque, a qualquer hora, em uma emergência, ele poderá salvar a sua vida!

Como ia dizendo, eu tenho um álibi! Um belo dia decidi, por impulso, comprar um celular. Não lembro nem o dia e nem o local.

Entrei numa loja… ah, pára de me sacanear, eu também não sei de qual operadora era… e disse para a vendedora:

– Eu queria comprar um celular!

– Pois não, o senhor já escolheu o modelo?

Aaaiii, isso soou como uma flechada no meu coração! Modelo!? Eles não são todos iguais!? Deve mudar apenas a parte de fora, teorizei! Preciso pensar rápido numa resposta para não passar mais vergonha!

– Qual é o mais baratinho que você tem!? (pois é, meu instinto feminino falou mais alto nessa hora!)

– O mais barato é aquele ali! Apontou a vendedora para um canto da vitrine!

Pensei: ‘vou pedir logo dois, assim não preciso mais me preocupar com celulares pelos próximos 10 anos. Não, não, a vendedora vai pensar que estou afrontando a sua inteligência!’

– Tá bom, vou levar!

– Infelizmente, senhor, não temos mais esse modelo em estoque. Somente esse que está no mostruário… mas, não podemos vendê-lo.

Caracas, pra quê essas lojas deixam no mostruário, mercadorias que não podem ser vendidas!?

– Huum, “entendo”. Então qual é o segundo mais baratinho que você tem!? (dessa vez pensei rápido, né!?)

Percebi que a vendedora estava se derretendo de rir por dentro. Mas por fora estava séria e serena, e muito educada, apontando para outro celular, esperou minha próxima pergunta:

– Vocês têm esse em estoque, não tem!?

Ela não resistiu! Começou a dar risada! E eu juro, não estava entendendo (mesmo), o por quê!?

Sentei-me e, impaciente, esperei ela retornar com o celular que havia escolhido na vitrine.

No impulso eu disse: – “Embrulha pra viagem!” (péssima essa, não!?)

– O senhor não vai ativar a linha!?

– Como assim “ativar a linha”!? Ela já não vem ativada dentro dele!?

Nesse dia fui iluminado por uma súbita luz de conhecimento divino. Descobri que as linhas não vêm ativadas dentro dos celulares. Você tem que escolher o seu plano e a sua operadora para que eles possam começar a funcionar!

Isso aconteceu há quase 10 anos… e foi assim que adquirir meu primeiro, e quase único, celular (na minha vida)!

Written by Marcelo Reston

Sushi à la Reston

– Eu gostaria de pedir Sushi!

– Pois não, senhor.

– Mas eu queria o meu sushi sem aquela casquinha de fora… Ah, e sem o miolinho também!

– Err, desculpe! O senhor quer só o arroz?

– Yesss. Adoro aquele arrozinho do sushi.

– Senhor, não seria melhor pedir uma porção separada de arroz?

– Não é a mesma coisa.

– Mas o preço é menor!

– Não tem problema, eu quero o sushi sem aqueles “adereços alegóricos”!

– Perdoe-me senhor, mas um sushi sem esses ingredientes não é um sushi!

– Claro que é! Uma pessoa sem os braços e as pernas, deixa de ser uma pessoa?

(silêncio mortal)

– Com licença!

(o garçom foi até o mostruário à minha frente e trouxe um prato com o meu pedido)

– Pronto, aqui está!

– Agora tira essas coisinhas aí do meu sushi, vai, vai.

– Eu não posso fazer isso. O senhor agora pode comer só a parte que mais gosta.

– Não vai dar, não é a mesma coisa… vou perder o tesão pela comida. Ela já tem que chegar pronta.

– Infelizmente eu não posso fazer isso!

– Achei que o cliente aqui sempre tinha razão!

– Está bem, está bem… eu  já sei o que fazer, vou chamar uma pessoa que talvez possa resolver o problema.

(o  garçom, então, dirigiu-se até o gerente e os dois vieram na minha direção)

– PERAÍ – pensei – o nome do gerente é… aahh não acredito, ‘Donatello’. O nome de todo gerente japonês, de restaurante japonês, é ‘Donatello’? O que é isso, algum tipo de complô gastronômico? Não tinha que ser algo tipo ‘Yohito’ ou ‘Takashi’?

– Senhor, o garçom Yohito me explicou a situação… nós faremos o que o senhor pediu!

– Uuhuu. M-a-r-a-v-i-l-h-a!!!

(o gerente saiu e dirigiu-se a outra mesa)

– Com licença, senhor!

– Peraí… o que você vai fazer?

– Vou até a cozinha e vou tirar os  “adereços alegóricos” como o senhor pediu.

– E depois vai cuspir no meu sushi!

– Como é que é?

– Isso mesmo que você ouviu. Você ficou com raiva de mim… e quando os garçons ficam com  raiva, eles cospem na comida dos clientes.

– Meu Deus, eu nunca ouvi um absurdo tão grande! Estou chocado!

– Ah, você acha que os clientes não sabem que vocês incrementam a comida com esse “ingrediente especial”!? (fiz assim com os dedos para as aspas) Tá no Google, é só pesquisar!!

– Senhor, pelo amor de Deus, eu só vou levar o prato até a cozinha, separa o que não lhe agrada e depois…

– …e depois vai cuspir no meu sushi!

– EU NÃO VOU CUSPIR NO SEU SUSHI!!!!

– Tá bom, tá bom… não fique nervoso. Eu pago o dobro!

– O dobro?

– É… o dobro… pra você não cuspir no meu sushi!

– NÃO, NÃO e NÃÃÃÃO… EU NÃO VOU CUSPIR NO SEU SUSHI! E quer saber mais, eu desisto… vou embora pra casa! Passar bem!

– (suspiro) Que pena! Ah, também não estava com tanta vontade assim. Ei, o que é aquilo!? Promoção de sunday? Yeess! Adoro sunday! Mas vou pedir pra colocarem minha cobertura no fundo do copo.

Created by Marcelo Reston

O beijo perfeito

O beijo perfeito tem que ser sincero,
Tem que ser singelo.
Tem que ser o motivo, pelo qual me desespero.

O beijo perfeito tem que ser quente.
Tem que ser indecente.
Tem que ser aquele, que faz o coração ficar incandescente.

O beijo perfeito tem que ser casual.
Tem que ser natural.
Tem que ser aquele dado, por alguém muito especial.

O beijo perfeito tem que ser roubado,
Tem que ser demorado.
Tem que ser aquele, que deixa a gente, mais apaixonado.

O beijo perfeito tem que ser ambicioso.
Tem que ser cuidadoso, atencioso, carinhoso.
Tem que ser, nada menos, do que delicioso.

O beijo perfeito tem que ser excitante.
Tem que ser provocante, embriagante, penetrante.
Tem que ser delirante, deixar a gente, ofegante.

O beijo perfeito tem que ser incendiário.
Tem que ser necessário.
Tem que sempre parecer, involuntário.

O beijo perfeito tem que ser com muito amor.
Tem que ser renovador, inspirador, perturbador.
Tem que ser provocador, com pouco ou nenhum pudor.

Meu coração, até hoje, nunca estremeceu.
O beijo perfeito ninguém jamais me deu.
Eu até já sei, por que ele nunca aconteceu.
Porque o beijo perfeito, pra mim, tem que ser o seu.

Written by Marcelo Reston

O dia que me despedi de você (1)

O sol estava brilhando. Envolvia meu corpo e minha mente. Sentia que o dia começava lindo… quente e sereno. Ouvia o barulho das ondas se quebrarem ao fundo e o som do vento balançando os coqueirais. Uma preguiça gostosa tomava conta de mim.

Aos poucos, fui abrindo os olhos e, lentamente, despertando de uma noite de descanso.

A primeira coisa que vi foi o mar. Azul e infinito! Troquei alguns minutos de contemplação por uma paz interior muito profunda. Queria que o tempo parasse naquele momento.

“Isso é tudo que sonhei um dia”, pensei. “Ter o mar dentro do meu quarto!”.

Enquanto meus pensamentos divagavam sobre o céu, a terra, a água e o ar, meu estado de encantamento foi, gradativamente, sendo substituído pela dura realidade.

“Peraí!!!”, pensei subitamente. “Esse não é o meu quarto… e muito menos o mar está dentro dele!!!”

Sentei-me rapidamente e olhei a minha volta. Vi que havia dormindo sobre a grama, no quintal de um flat que ficava de frente pra praia, no Jardim dos Namorados. Fazíamos isso pelo menos uma vez na semana.

“Semana!? Que horas são!!? Meu Deus, hoje é quinta-feira e, se não corrermos muito, nós vamos chegar atrasados para a primeira aula na faculdade!!”

“Nós!!?” Lentamente fui virando o rosto para o lado e vi minha amiga Juliane dormindo.

Só pra vocês entenderem, vou precisar voltar um pouco mais no tempo.

Juliane é uma estudante de psicologia que conheci numa das festas realizadas na faculdade. Ela era amiga, de uma amiga, de um amigo meu. Fomos apresentados e logo ela me chamou a atenção pela forma apaixonada com que defendia as suas ideias. Baiana, descendente de pais americanos, tinha cultura para falar de praticamente qualquer coisa, desde os assuntos mais simples, até os mais elaborados. Nessa noite, enquanto conversávamos, discordamos de quase tudo. Ficou claro, para mim, que não tínhamos, absolutamente, nada em comum. Mas, mantivemos um diálogo cordial e interessante até o final. Despedimo-nos sem trocar telefones ou contatos. Confesso até que, dois dias depois, não conseguia mais lembrar qual era o seu nome.

Uma semana depois, em outra festa – estamos na Bahia, né galera!? -, voltamos a nos encontrar. Inexplicavelmente, havíamos mudado. Desta vez, estávamos mais receptivos, um ao outro. Começamos a nos entender. Depois de algumas horas de conversas, já bastante íntimos, decidimos nos afastar da multidão e do barulho. Fomos procurar um lugar mais tranquilo e reservado para… isso mesmo que vocês estão pensando: discutir sobre a Hipótese de Gödel e suas consequências epistemológicas para o mundo. Também, o que vocês esperavam de dois nerds, que a gente fosse ficar!?

No final, ao nos despedirmos, descobrimos que erámos quase vizinhos. Morávamos no mesmo conjunto, e apenas um prédio separava o meu do dela! A partir desse dia, nos tornamos grandes amigos.

Como estava dizendo antes, pelo menos em um dia da semana, cultivávamos o hábito de passar horas deitados sobre a grama, olhando para o céu e conversando sobre quase todos os assuntos que existem no Universo, e eu não estou exagerando! Cansados, sempre adormecíamos ali mesmo.

Eu sempre acordava primeiro. Tínhamos todo um ritual de organização para sairmos. Entretanto, naquele dia, precisávamos acelerar as coisas.

Acordar a Juliane era uma tarefa muito simples. Bastava se aproximar do seu ouvido e falar, delicadamente, algumas palavras:

“July”, pausa curta, “July… precisamos ir!!!”

Ela despertou e começou a se espreguiçar!

July se espreguiçava de uma forma muito engraçada! Ela esticava um dos braços, a perna oposta a este braço, se entortava toda, abria apenas um dos olhos e urrava como um urso bebê. Apesar de engraçado, eu ficava sério. A última vez que dei risada disso, ela se virou e perguntou com a cara fechada e as duas mãos na cintura:

“Tá rindo do quê?”

“Do seu jeito de se esprig… AAAiii!”

Antes mesmo que eu terminasse a frase, ela tinha me dado um tapa no ombro, tão forte, que ficou doído por uns dois dias!! A mensagem estava dada! Pra um bom entendedor, um tapa no ombro basta! A partir daquele dia, eu aprendi a morrer de rir, mas só por dentro!

“Temos que correr, senão vamos nos atrasar para a primeira aula na faculdade!”, disse calmamente e, antes que ela perguntasse, me adiantei:

“Ah… e o mar não está dentro do seu quarto!!”

“Como não Celo!?”, disse com uma voz sonolenta, “Eu estou vendo ele ali mesmo, na minha frente!!”. Nessa hora, ela arregalou os dois olhos com um ar de espanto. Acho que, assim como eu, a ‘ficha’ acabara de cair!!

Entramos correndo no apartamento. Juliane era uma pessoinha muito frágil. Tentava conduzi-la pelas mãos para que, na correria, ela não se machucasse. Íamos correndo e, no meio do caminho, pegando tudo que achávamos que seria útil. Escovamos os dentes, lavamos os rostos e, praticamente, pulamos do apartamento dos tios dela para dentro do nosso carro.

No início, nós íamos a todos os lugares a pé ou de ônibus. Mas, à medida que fomos avançando nos nossos cursos, a quantidade de compromissos aumentou na mesma proporção. Já não tínhamos tanto tempo disponível assim. Resolvemos, então, montar uma sociedade. Juntamos R$ 2.000,00 (R$ 1.000,00 meus e R$ 1.000,00 dela) e compramos nosso primeiro carro: um fusca! Ele não estava em bom estado, mas era o que dava pra comprar com o nosso dinheiro.

Tínhamos um amigo em comum, o Henrique. Ele era estudante de engenharia mecânica. Uma pessoa inteligentíssima que construía os próprios carros que dirigia.

Henrique se ofereceu para restaurar o nosso carro e só nos cobrou o material. Nosso fusquinha ficou lindo… todo branquinho, parecia um bebê!!! No banco de trás, Henrique fez uma pequena estante sobre o acento. Mais uma de suas ideias geniais. Quando dávamos carona, era só recolher a estante para dentro do bagageiro, e assim conseguíamos liberar o assento para as pessoas sentarem.

Na ida, ela dirigia. Na volta, eu dirigia. Esse era o nosso acordo. Eu tinha toda a agenda dela na minha cabeça, e ela, tinha toda a minha agenda na cabeça dela. Enquanto não chegávamos no campus, eu abria a estante e começava a separar o material dela e o meu também. Lembrava para ela todas as provas que teria naquele dia, quais os trabalhos que teria que entregar, e quais eram as disciplinas do dia e seus locais. Ela fazia o mesmo comigo.

Chegamos no Instituto de Matemática e, quase sem esperar o carro parar, me joguei pra fora dele e comecei a correr, querendo chegar antes do professor. Até hoje, acho uma falta de respeito tremenda, e muito deselegante, chegar atrasado na sala de aula sem uma justificativa verdadeira.

Mal dei algumas passadas e ouvi um grito:

“EEEEEiiii, você está esquecendo meus beijooooos!”

Conhecia Juliane como a palma da minha mão! Se eu não voltasse e desse esses dois beijinhos no rosto, de bom dia, ela fechava a cara por uma semana! Sem contar que ela acreditava, e acreditava mesmo, que sem dois beijinhos de bom dia, alguma coisa de muito ruim ia acontecer. Voltei para o carro e, para não correr o risco de ouvir “esse não valeu, foi muito rápido”, enchi-me de paciência e, vagarosamente dei seus dois beijinhos e, agora, um abraço (sempre aparece mais coisas quando estamos atrasados, não é mesmo!?).

Despedi-me dela e danei a correr. Passei ‘voando’ pelos professores, cumprimentando-os rapidamente. Entrei na sala de aula e, sem muito alarde, sentei na cadeira de sempre. “Ufa! Missão cumprida”, pensei! De repente, senti pequenas cutucadas no meu ombro esquerdo. Era o Carlos, Carlos Magnum.

“Reston! Aconteceu alguma coisa!? Meu rei, você tem grama até dentro da sua orelha!!!”, disse ele com um tom de surpresa.

“É que eu escorreguei e sai rolando no morro que fica em frente ao meu prédio!”, respondi prontamente!

“De novo!! É a segunda vez essa semana!! Olhe, tome mais cuidado!! Senão você vai acabar se machucando!”, respondeu ele.

“Como assim ‘de novo’!!?”, pensei, “Eu já inventei essa desculpa essa semana!!? Quando!? Tenho que fazer uma lista com as desculpas que preciso dar sobre esse assunto!”

Marcelle, outra grande amiga que fazia Matemática comigo, sentou-se do meu lado e me ajudou a catar a grama, dos locais que eu não conseguia alcançava, e a colocá-la dentro de um copo de plástico. Assim, assistimos os dois tempos daquela disciplina.

Quando a primeira aula terminou, corri para o vestiário e tomei um banho. Juliane fazia a mesma coisa na faculdade dela. Tínhamos que aproveitar todo o tempo disponível, sem desperdiçar nem um minuto!

Nas universidades baianas, assim como em muitas universidades federais do país, quando acaba uma aula, é o aluno que sai e se encaminha para a próxima sala. Isso é fruto do período da ditadura no país. Os militares queriam desestimular os laços de amizade entre os alunos para evitar que movimentos de liberdade e anarquistas ficassem fortes devido a esses laços de amizade.

Entretanto, na Bahia, o tiro saiu pela culatra. Baianos, por definição, fazem novos amigos como tomam água! Cada disciplina que fazíamos era em uma sala diferente, em um lugar diferente e com uma turma diferente. Resultado, terminávamos o semestre letivo com uns 100 novos amigos! Tínhamos, praticamente, um evento social por dia (durante toda a semana). Eram aniversários, casamentos, batizados, festas, grupos de estudos, formaturas, luaus, etc.

Passei o dia de um lado para o outro. Era o dia da semana em que as salas ficavam mais distantes umas das outras. Às 17h00, em ponto, já estava esperando Juliane passar, na frente da biblioteca, pra me pegar. Agora, era a minha vez de dirigir.

O final da tarde, para nós, era sagrado. Nunca marcávamos compromisso nenhum das 17h30 às 18h30. Porque nesse período, íamos até o Farol da Barra, sentávamos no muro da praia e ficávamos admirando o pôr-do-sol, sem trocar uma palavra sequer. Às vezes fechávamos os olhos e, simplesmente, sentíamos aqueles momentos. A sensação do sol quente no rosto, misturado com o vento que soprava do mar e o silêncio sereno do final da tarde, era o mais próximo do paraíso que podíamos chegar! Isso sem falar no visual!

Quando o sol foi embora, fomos até o Rio Vermelho pra comer alguma coisa. Era o nosso almoço-jantar! Adorávamos comer acarajé na barraca da Sidinha.

“Posso ver o cardápio!?”, sempre pedia Juliane.

Apesar de não ter tanta variação assim, de comidas e bebidas, ela sempre cumpria o ritual. E sempre pedíamos a mesma coisa! Eu nunca conheci uma pessoa tão apaixonada, por suco de umbu, quanto ela. Sempre ensaiava pedir informações sobre um novo suco, mas, no final, ela sempre pedia… suco de umbu! Quer apostar!?

“Isso parece muito bom, mas vou querer um acarajé com suco de umbu!”, disse ela.

“Eu não falei!?”

“Sidinha, também vou querer a mesma coisa… pra te acompanhar Juliane”, complementei.

Sida sempre achava isso tudo muito engraçado. Sempre muito sorridente, educada e simpática, ela preparava carinhosamente nosso pedido. E sempre ganhávamos um quadradinho de doce de leite. Huuum, que delícia!

Pegamos o nosso pedido e sentamos, novamente, no muro da praia. Naquela hora da noite, a fome era tanta, que ficávamos alguns minutos sem falar uma palavra. Até que…

“Fala”, repentinamente ela cortava o silêncio.

“Falar o quê July!?”, retruquei calmamente, me fazendo de desentendido.

“Eu conheço essa sua cara. Você tá querendo me dizer alguma coisa. Fala, fala, fala. Onde foi que eu me sujei dessa vez!? Na bochecha!?”, falou toda agitada!

Simplesmente apontei discretamente para a sua sobrancelha esquerda.

Ela arregalou os olhos, virou o rosto para frente e, discretamente, começou a passar o guardanapo na sobrancelha. Incrédula!

Se bem conheço Juliane, nesse exato momento, ela deve estar pensando:

“Como é que eu consegui sujar a minha sobrancelha com o vatapá do acarajé!?”

Aprendi a rir por dentro disso também!!

“Dou meu reino pelos seus pensamentos, July!!”, sempre a provocava.

Hoje é quinta-feira. Tínhamos marcado de estudar na casa do Juninho com a galera. Passamos no supermercado e compramos os refrigerantes.

Normalmente, nossas provas na faculdade eram na sexta-feira. Sempre aproveitávamos a quinta para repassar a matéria em grupo. A casa do Juninho era o nosso quartel general! Um lugar onde os debates e as trocas culturais eram incentivados ao extremo. As três primeiras horas eram reservadas para os grupos que pertenciam à mesma sala. Eles repassavam toda a matéria sem interferir nos outros grupos.

As duas horas seguintes eram interdisciplinares. Todos participavam e tentavam entender pontos de vistas, muitas vezes, conflitantes entre as faculdades. Nessa hora, trocávamos experiências e conhecimentos não só acadêmicos, mas de vida.

As três últimas horas eram dedicadas ao nosso luau e, por fim, o grande desafio da noite: homens contras as mulheres no jogo de mímica. Não lembro de um só ter chegado ao fim. Sempre os dois lados roubavam e o jogo era suspenso. Acabava em engraçadas discussões.

Nesse dia. lembro-me que, em uma das rodadas, a palavra-chave era ‘pé’. As meninas seriam mais rápidas que nós, na certa. Então, pisei, por baixo da mesa, várias vezes no pé de um colega até me certificar que ele tinha entendido o que era.

Quando o relógio começou a marcar o tempo, mal consegui desenhar meio risco no papel, e ele pulou gritando:

“Pé! Pé! Péééééééééé!!!”

As meninas se entreolharam, e uma delas disse:

“Como foi que você associou esse risco anão a um pé!? Meninas eles estão roubandooo!!!!”

E novamente começava a engraçada discussão entre os meninos e as meninas.

Nessa hora, levantei meus olhos e vi você! Em uma dessas coisas que não consigo explicar, comecei a ouvir as vozes e o barulho cada vez mais baixos. E, como num filme, uma luz começou a ser refletida sobre você. As pessoas, em volta, foram gradativamente desaparecendo na escuridão que se formava ao seu redor. Você me olhou e sorriu, nossos olhares se cruzaram. Eu retribui sorrindo de volta.

Engraçado, mas desse momento em diante, não consigo me lembrar do que aconteceu depois. Deve ter sido uma dessas experiências que ficam guardadas entre duas pessoas, em algum lugar da mente… e do coração.

Sabe de uma coisa… desse dia em diante, nunca mais te vi com os mesmos olhos!

Written by Marcelo Reston

O dia que me despedi de você (2)

Pôr-do-sol no Farol da Barra

Naquele dia, corri para o hospital assim que soube da notícia. A situação não era das mais animadoras. Há dias você não acordava. Fui esperando pelo pior.

Quando entrei no quarto em que você estava, fui surpreendido mais uma vez! Você estava acordada, o encosto da cama estava inclinado e você estava olhando na direção dos seus pés. Apesar da quantidade de pessoas que ali se encontravam e dos anos que haviam se passado sem nos vermos, você me reconheceu imediatamente. Acenou e sorriu! Haviam me dito que você não estava mais reconhecendo as pessoas e que não conseguia mais conectar uma frase à outra.

“Oi!”, fui me aproximando.

“Oi!”

“Preciso muito te falar uma coisa!”

“O quê!?”

“Dizem que uma mulher é bonita de verdade, quando ela continua bonita sem os seus cabelos. E você, July, tá mais linda do que nunca!!!”, falei olhando fixamente nos seus olhos e do fundo do meu coração. Acho que foi a coisa mais sincera que já falei na minha vida.

Ela deu uma risada muito gostosa e, não é que me deu um tapa bem forte no meu ombro!!! Naquele momento, tive certeza absoluta que ela sabia exatamente o que estava fazendo!

Conversamos muito pouco porque o horário de visita, pela manhã, foi curto para todos esses anos que não tivemos contato. Não quis voltar pra casa. Conversei com alguns parentes e pessoas próximas e fiquei sabendo do real estágio da doença. Juliane não fazia ideia da gravidade do que tinha, ninguém havia lhe contado.

Andei meio desolado e pensativo pelas redondezas do hospital. Passei por um camelô e vi uma coisa que achei ser perfeita para aquela ocasião. Era um globo que girava lentamente e projetava estrelas de luz nas paredes. Comprei-o e, como estava quase na hora da próxima visita, corri de volta para o hospital.

Falei com a mãe, contei minha intensão e pedi pra passar a noite fazendo companhia a ela (todas as noites, uma pessoa da família fazia isso). Ela me abraçou e consentiu.

Entrei no quarto e July estava dormindo. Liguei o globo na tomada e coloquei-o em cima do criado-mudo. Sentei-me na cadeira, ao lado da cama, e fiquei olhando-a. Quase uma hora depois, ela acordou com sede. Coloquei um pouco de água em um copo e ajudei-a a beber. Diferentemente da manhã, July levou um tempo para me reconhecer.

Tirei, então, os meus sapatos e minhas meias.

“Afasta um pouco pra lá! Vai, vai, vai!!”

“O que você vai fazer?”, disse ela indo pro cantinho da cama.

Deitei-me ao seu lado e segurei sua mãozinha, machucada pela agulha do soro. Apaguei as luzes, liguei o globo e disse:

“Veja July… Estrelas!!!”

Ela olhou para cima e, emocionada, percebeu imediatamente o que aquilo tudo significava.

“Você é a pessoa mais maluquinha que eu conheço!”, disse sorrindo.

“Tive uma professora mais maluquinha ainda, não é Dona Juliane!!? Sabe o que eu acho!?”

“O quê!?”, perguntou mais do que curiosa!

“Acho que enganaram a gente! O tempo só existe pra separar as pessoas que se amam! Você não acha!?”.

Pronto! Isso foi suficiente pra fazer seus olhos brilharem e ela, apaixonadamente, começar a defender todas as suas ideias. Enquanto a ouvia, aprendi a fazer uma coisa que jamais gostaria de fazer novamente. Aprendi a chorar, silenciosamente, por dentro. July deve ter percebido isso, porque ela era, a única pessoa do mundo, que conseguia ler os meus pensamentos. Mas ela, não falou nada.

Conversamos a madrugada quase toda. Ela foi adormecendo lentamente, parecia um anjo. Assim que amanheceu, troquei o turno com os pais dela, e fui descansar um pouco. Nunca mais a vi acordada.

Sabe July, às vezes penso que jamais me perdoaria, se não tivesse sido a última pessoa a te fazer sorrir. Quando vi você pela última vez, coloquei, na sua mão, um lenço de pano com um desenho que eu fiz. Use-o sempre que você sujar a sua sobrancelha com o vatapá do acarajé. Porque isso, July, nem os deuses lá no céu, vão conseguir explicar!

Um dia depois, sonhei que estava correndo, a alguns passos do nosso carro, na faculdade. Mais uma vez, estava quase atrasado para a primeira aula, quando ouvi você dizer:

“Celo! Você não vai me dar dois beijinhos de boa sorte!?”

Não foi como das últimas vezes. Sua voz estava linda e angelical.

Parei de correr imediatamente. Por alguns segundos, com um olhar vazio, pus-me a pensar. Muitas coisas se passaram pela minha cabeça. Mas, decidi não permitir que nenhuma racionalidade tomasse conta de mim naquele momento. Respirei fundo, enxuguei discretamente minhas lágrimas, esqueci a tristeza que estava sentindo e coloquei, no rosto, o meu melhor sorriso. Virei-me e fui vagarosamente na sua direção.

Dei a volta por trás do carro, abri a porta e destravei o seu cinto de segurança. Peguei você no colo e te dei o abraço mais apertado que pude dar. Queria que meu coração ficasse juntinho do seu, quase se tocando.

Na cidade, em que nasci, as pessoas acreditam que, quando a gente dorme, a alma sai do corpo e vagueia por aí. Então, quando você sonha com alguém, é porque a sua alma se encontrou com a alma desse outro alguém! Sabia exatamente o que estava acontecendo, e que, também, seria a última vez. Você tinha voltado pra se despedir. Aos poucos, uma luz muito forte apareceu e eu fui acordando, com o rosto coberto de lágrimas.

Sabe de uma coisa? O tempo só existe pra separar da gente, as pessoas que a gente ama!

Uma vez, no Farol da Barra, você me disse que escrever sobre uma pessoa e colocar na Internet, era uma forma de imortalidade.

Então, que assim seja.

Beijos eternos, onde quer que você esteja!
(◊ 1966 – † 2012)

Written by Marcelo Reston